Cacos pelo chão



Que história é essa a nossa, hein?
Começa naquela história em que unimos a taça virgem e o vinho espaçoso. Era um recipiente limpo, onde se refletia alguns rostos, até que começou ser manchada algumas vezes de batom vermelho, cor quente e vibrante. Depois a água corrente lavava e nada era tão demais, gostava desse ir e vir da vida, vermelho e incolor. Foi numa noite estranha em que derramaram o vinho diversas vezes até que se espatifaram os dois: a taça e o vinho (que eu não sei qual). Caíram, mas apenas ela quebrou. Ele se espalhou com um cheiro forte, quase lembrava éter, o outro ser espatifado fez um pequeno corte na mão, mas não gritou, não estava em condições, apenas dormiu tranquilo e depois ao se erguer sentiu ainda o cheiro forte do vinho misturado ao sangue que se espalhara, e aos cacos coube a rejeição e a lixeira. Alguns pedacinhos minúsculos ficavam ali brilhantes e imperceptíveis, furando alguns pés descalços sem querer, por ser obrigada ser apenas cacos de vidros. O cheiro se extinguiu do ambiente, mas naqueles fúteis caquinhos impregnado estava. A taça, o vinho e o outro. Os outros. E nós. E eu? Quem sou? Nem taça, nem vinho, nem outro. Só cacos.


Expressão nova vista por ninguém diante de um espelho meio embaçado e sujo. Palavras jorravam dentro de seu ser, palavras que o mundo jamais ouviria e nem lhe seriam úteis. Num flash, um impacto, alguns cacos, nenhum grito. Dentro daquele cômodo, um grande incômodo jamais visto. Ela saiu despreparada para ser tão ela, era ninguém em um mundo tão vasto, mas saiu. Nas ruas, viu os carros passando, as pessoas passando, tudo passava -que bom! E ela seguia entre pressa e calma, entre angústias e súbitos sossegados também angustiantes. Seguia marcando o caminho para àquela que voltaria em seu lugar, andava equilibrando em si mesma. De repente choveu e ela escorregou na própria lágrima. O cheiro não era de terra molhada, era de terra árida. Seguia, quando sorriu num susto calada meio de lado e esquisito, mas tudo bem ninguém a via. Viveu um dia perdido! Brincou dispersamente entre os trilhos de um trem que não passaria mas em sua cabeça o apito agudo acalentava sua alma. Entao sentiu a noite cair pesada sobre sua cabeça cheia de ideias escuras onde um fantasma se escondia. O porvir ninguém previa, o fim que alamarva um novo nascer, nem ela dessa vez imaginaria, ninguém literalmente, esperava que ela fosse voltar bem. Ainda não se sabe pra quem. O mundo conheceu sua nova face. Mas ninguém sabe quem é Ana e que morrer deita e que nascer levanta com ela.

Bailarina


Como é de costume ela foi viajar pra longe sem sair do lugar, mas tão perto dos medos dançou até se sentir tonta. Sentou logo no primeiro banco, ficou entre ficar e partir. Fincou um desejo no coração, seguro-o com as mãos no peito alvoroçado. O desejo escorregou e partiu com o voo. Ela ficou e foi ver como era ter os pés no chão. A terra seca sentiu a sola quente e soada dos pés que repousou. Foi estudar, aula bruta da vida (chão), mas ela tinha cabeça nas nuvens. Recebeu as ordens que acata serenamente envolta no ritmo da vida de disciplina, que é também doçura para ela. Joelhos pressionados contra o peito sem angústias, os pensamentos começam a se aquietar para dar espaço a concentração. Solta uma perna, um passo avante, depois a outra, as vezes para chegar em lugar nenhum. Vira e revira, perde a cabeça do outro lado, deixa levar o corpo em um som de um pensamento que lhe assalta, um degrau a mais e um pouco mais de força, é hora de grand écart. Não podia sonhar pequeno, jogava com toda força como se fosse alcançar àquilo que dizem estar além do alcance de suas mãos. Mas a estrada também é grande. Enquanto começava um gigante se erguer, ela aprendia a descansar e se preparar em meio a dor nas abdominais. Recolhia-se não por medo mas por segurança em si mesma. Ela era a sementinha que de repente seria uma flor dessas que dançam com o vento com os braços em ’'quinta’’ se entregando aos pés da terra que lhe dera vida certa vez. Não lembrava de gigantes quando diante dos seus olhos enxergava uma esperança imensa. Mas a guerra existia dentro de si e se aproximava. Ela se enxergava no espelho daquela sala como um mar calmo e tranquilo, mas ainda que tranquilo quando mergulhava era sufocante. Voltava com os braços ainda em ‘’quinta’’ como quem submergiu repentinamente. Respirava tranquila novamente. Torce e retorce para um lado e para o outro, recupera o fôlego de todo. A borboleta nasce quando sai do casulo. É assim que segue seu rumo com leveza para voar. E bate suas asas dançando para ir mais alto. Até que pode enfrentar qualquer ‘’barra’’ e ser o que quiser: semente, flor, mar, borboleta, enfim, a bailarina que faz da sua dança elevação. Entre seus e outros passos, entre desejos perdidos e novos sonhos, perde-se para se encontrar em um tempo suspenso e recriar um mundo particular repleto de movimentos.

Tradução:
 grand écart: grande abertura.

Seus olhos




Seus olhos são duas cabanas próximas
Onde acampo por instantes
De um lado, especulo o outro
Dormes serena aí dentro
Fico a te admirar como se fosse o centro
Sem quebrar o silêncio
Vejo que és linda
Mas o teu interior é ainda mais belo
No primeiro piscar de olhos a beijarei
e no próximo momento serei
Tudo, todo, tolo por ti.

Amor mesmo

Faz mais ou menos um mês que estou ''longe'' de casa, sem padrasto, sem mãe, sem irmã, sem aquele falatório todo, sem meu refúgio e com saudades. Por falar em refúgio, deixe-me expor aqui: era o banheiro da minha casa, o lugar que eu me sentia melhor, caso houvesse algo que me levasse um pouco pra baixo. Ali (além das necessidades que já sabem) era o lugar que eu ficava e fazia minhas orações, lia meus livros, ouvia músicas, estudava ou apenas ficava fitando o teto e me perguntando: ''Quando as coisas vão mudar?''. Ali eu via, ouvia, respirava devagar atentando ao tic tac do relógio que quase não se nota a não ser mesmo na madrugada. Eu gostava da madrugada, usava a maior parte dela pra refletir lá no meu refúgio. Enfim, meu banheiro, saudades de ser (in)feliz a vontade. Como estava dizendo, estou fora de casa por conta de um desentendimento com meu padrasto. No dia que brigamos, eu descobri que é fato que as palavras podem ser mais agressivas que um tapa, e também que é possível serem mais atroz que uma surra (nem quando apanhei de vara de goiaba aos 11 anos doeu tanto) Eu não quero repetir as palavras porque me dói, nesse dia também descobri que tudo que me dói profundamente fica trancafiado em mim, não sai, não reage, não é dito, é apenas pensado. Naquele dia, eu fiz um silêncio sepulcral, deixei ele falando contra mim sem reagir, ao passo que minha mente pensava várias maneiras de me livrar daquele local, o que não seria possível naquele dia pois já eram mais de 00hrs. Mas o reflexo de mim, de nós feridos, prontos pra atacar com o que chamamos de 'defesa'' agiu rapidamente ao amanhecer. Não lembrei que dia era, não me preocupei com as horas, não lembrei de tomar café, nem de escovar os dentes (pois é), nem de me olhar no espelho e tão pouco pensei: ''quais são as tarefas de hoje?'', eu sabia o que precisava: PARTIR! Eu precisava urgentemente! Sai e fui para o gabinete onde trabalho na igreja (o que se tornou meu próximo refúgio, onde escrevo nesse momento), lá encontrei o pastor e conversamos (mais chorei do que falei), decidi ficar na igreja. Algumas pessoas me disseram coisas do tipo: ''que bom, a igreja é um bom lugar, lá você ocupa a mente de coisas boas''. Vai uma explicação simples: continuo com pensamentos agitados em relação a tudo, apesar de ser um local de paz. Após alguns dias, meu padrasto me ligou, meio bruto, meio sem graça, sem jeito e envergonhado dizendo: ''você tá pensando que é assim sair de casa e não vai mais voltar pra casa?'' como quem quer dizer: ''Me perdoa...?'' Eu disse que era necessário. E mais uma descoberta, eu sou orgulhosa pra chuchu! A minha mãe, nos primeiros dias, brigava comigo por telefone fazendo chantagens emocionais fortes (e funcionava me sentia mal por tudo):'' um filho preso e a outra me abandonado'', ''você não pensa em mim'' etc. Depois, ela meio que entendeu meus motivos e ficou mais relax. Agora ela me liga pra dizer: ''vem comer o bolo que eu fiz'' ou ''vamos ali comigo andar de BRT'' (ela adora o BRT). Na verdade, esse é o jeito dela de dizer: ''estou com saudades'' ou eu te amo'', bom, pelo menos, é o que eu deduzo. Esses dias distante, eu lembrei de uma carta que precisei fazer pra minha mãe ano passado, quando fazia terapia. Essa carta está lá em casa, perto dela, mas ela não sabe de sua existência. Não tive coragem de entregar e me ocorreu mais uma ideia sobre mim mesma: covarde!
Mas desta carta termina mais ou menos assim: ''... é verdade que faltou algumas vezes calçados, lápis, caderno e até o pão, mas amor, amor mesmo nunca faltou!''
É verdade, diante de tudo isso, faltou jeito, faltou conversa, talvez compreensão, MAS amor, amor mesmo nunca faltou!

Simples, porém glorioso

De repente, acordou e respirou fundo, tão fundo que se perdeu dentro de si. Mas diferente das outras vezes que isso ocorreu, não quis encontrar respostas ou saídas. Aceitava as condições e sorria até. Sorria até que se encontrava numa paz interior imensa. Tão imensa que era o horizonte de outrem.  Tão outrem que nem percebia tamanho valor. Tão valoroso que reluzia. E era tão reluzente que encantava. Tão encantador como a dança de uma criança distraída de si e do mundo. Tão inocente que Deus resolveu parar pra ver. Tão vislumbroso. Tão imenso. E tão mais. O alfa e o Ômega. Tanto mais que o fundo em que caiu parecia mais profundo, mais genial e brilhante quando a luz do fim do túnel invadiu. Peripécias, respirava e respirava... Vivia! Tão bem vividas horas que sorria e deixava que tudo acontecesse tão, tão, tão tão. E dançava no batuque dos sentimentos simples e intensos como um sorriso imprevisível, uma criança, uma dança, uma luz, um Deus, uma vida SALVA!
''Estar assim
Sentir assim
Um turbilhão de sensações dentro de mim''

O mundo as vezes teima em trepar em minhas costas
Eu me remexo pra ver se alguma coisa escorrega e ameniza
Mas nada. Mais nada.
Eu já quis pega-lo no colo, já quis abraça-lo, mas ele é travesso
Não quero mais ganha-lo
Agora só me sinto capaz de deixa-lo a vontade
Não mais reajo
Talvez ele esteja esperando algo de mim, enquanto eu também espero dele
As coisas, tantas coisas, grandes coisas, o mundo é assim
Um ir e vir, as vezes sem razão
Estou cansada desses vais e vens
Cansada dos transeuntes que já fizeram parte de mim
E hoje são estranhos
Esqueci do beijo, do abraço, do aperto de mão
Esqueci como é desenhar curvas no rosto
Desaprendi como é ter sonhos
Não conjugo mais o verbo acreditar
Os dias, parece que já vivi todos
Não é o mundo, sou eu
Não é o mundo...
O vazio é que pesa